quarta-feira, 7 de maio de 2014

Características de Fernando Pessoa Ortónimo

Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.
Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desespero e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo.

A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.

Características temáticas
·  Identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”)
·  Consciência do absurdo da existência
·  Recusa da realidade, enquanto aparência (“Há entre mim e o real um véu/à própria concepção impenetrável”)
·  Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência
·  Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
·  Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração.” – Isto)
·  Estados negativos: egoísmo, solidão, cepticismo, tédioangústiacansaço, náusea, desespero
·  Inquietação metafísica, dor de viver
·  Neoplatonismo
·  Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:
-   evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e onde não existia o doloroso sentir: “Com que ânsia tão raiva/ Quero aquele outrora!” – “Pobre velha música”
-   refúgio no sonho, na música e na noite
-   ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível)
-   criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”)
·  Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem)
·  Renovador de mitos
·  Parte de uma percepção da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constrói uma analogia entre as duas realidades transmitidas: a visão do mundo exterior é fabricada em função do sentimento interior)
·  Reflexão sobre o problema do tempo como vivência e como factor de fragmentação do “eu”
·  A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade
·  O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi)
·  O passado não existe numa relação de continuidade com o presente
·  Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade

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