O
simbolismo n'Os Maias
Número 3
Maria Eduarda é a terceira figura feminina na panóplia de
três gerações da família Maia apresentadas na obra. Simbolicamente, o número três é o número da completude e implica
a conjugação de três momentos
temporais: o passado, o presente e o
futuro, ou seja, a mulher aparece na
obra como um factor de transformação do mundo masculino, conduzindo à
esterilidade, à estagnação. O terceiro elemento feminino torna-se a revelação
simbólica dos outros dois que foram nefastos à família.
A Toca, a Chave os aposentos de Maria Eduarda
A Toca é o nome
dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o carácter animalesco do relacionamento
amoroso entre Carlos e Maria Eduarda. Carlos
introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, sugerindo não só poder
mas também o prazer das relações incestuosas (é de lembrar que a chave é um
símbolo fálico).
Da segunda vez que se alude à chave, os dois amantes
experimentam-na o que passa a simbolizar a aceitação e entrega mútua.
Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam a tragicidade da relação,
estando carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na
trama de lã, os amores de Vénus e Marte”, de igual modo este amor de Carlos e
Maria Eduarda estava condenado a desmaiar e desaparecer; “... a alcova
resplandecia como o interior de um tabernáculo profano...” misturando o sagrado
e o profano para simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. Carlos
mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante, mas Maria Eduarda impressiona-se ao ver a
cabeça degolada de S. João Baptista, que foi degolado por ter denunciado a
relação incestuosa de Herodes, e a enorme coruja a fitar, com ar sinistro, o
seu leito de amor (lembre-se que a coruja é considerada uma ave de mau agoiro,
que surge aqui para vaticinar um futuro sinistro para este amor). O ídolo japonês que há na Toca remeta
para a sensualidade exótica, heterodoxa,
bestial desta ligação incestuosa. Na primeira noite de amor entre Carlos e
Maria Eduarda, a qual se dá precisamente na Toca, dá-se uma grande trovoada como que a pressagiar um mau ambiente que se
criaria resultante deste incesto.
O Ramalhete
O Ramalhete está simbolicamente ligado à decadência moral do
Portugal da Regeneração. O ramo de girassóis que ornamenta a casa simboliza a atitude do amante, que como
um girassol, que se vira continuamente
para olhar o ser amado; girando
sempre, numa atitude de submissão e de fidelidade para com o ser amado, o
girassol associa-se à incapacidade de ultrapassar a paixão e a falta de
receptividade do ser amado, ligando-se assim a Pedro e a Carlos.
O jardim do Ramalhete
é rico em simbologias. Numa primeira e última fases, este espaço evidencia a tristeza e o abandono, e na desolação do jardim,
sobressaem três símbolos do amor puro e imortal. O cipreste (símbolo da morte)
e o cedro (símbolo do envelhecimento), unidos entre si por
laços quase míticos que se perdem nos anais da mitologia grega, inseparáveis em
vida, envolvidos num amor puro e forte e cuja recompensa foi a união
incorruptível das suas raízes, que a tudo resistem, emblematizando o Amor Absoluto.
Cores
Um prolixo cromático povoa Os Maias, cumprindo não só os
postulados do impressionismo, mas também os do simbolismo.
O vermelho tem na obra um carácter duplo: ora feminina e
nocturna, centrípeto, ora masculina e de poder centrífugo. Maria Monforte e
Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a
libido e a sensibilidade, espalham a morte provocando o suicídio de Pedro, a
morte física de Afonso e a morte psicológica de Carlos. Já os olhos vermelhos
de Afonso e a vela vermelha que ele trazia na mão incomodaram tanto Carlos que
este anteviu a morte, que de facto estava para acontecer no jardim do
Ramalhete.
A casa do Ega, a Vila Balzac, tem uma grande concentração de
cores, dispostas em espaços bem definidos: “verde feio e triste” na sala, sala
de jantar amarela, quarto vermelho, cozinha verde e branca. O vermelho do
quarto é tão intenso que indica a dimensão essencialmente libidinosa, carnal e
efémera dos encontros de amor com Raquel Cohen. O amarelo/dourado indica o
carácter ardente da paixão, tendo um significado duplo: cor do ouro de essência
divina; cor da terra simbolizando o Verão e o Outono, anunciando a velhice, o
Outono e a proximidade da morte.
Maria Monforte e Maria Eduarda conjugam o vermelho (leque
negro [negro conotado com morte e luto] pintado com flores vermelhas, sombrinha
escarlate) com o amarelo/dourado (cabelos de ouro), pelo que, tanto simbolizam
a vida como a morte, o divino e o humano.
Afonso vê Pedro e Maria Monforte juntos num passeio. Maria
Monforte traz um vestido cor-de-rosa que cobria os joelhos de Pedro, condizendo
com as fitas do chapéu, também cor-de-rosa, simbolizando a vida romântica em
que Pedro se deixou enlear. O azul dos olhos de Maria que, embora azuis da cor
do céu, eram de um “azul sombrio” prevendo sombras, tristezas e complicações
para este amor. O caminho por onde estes passeavam era verde e fresco, mas a
ramagem que o circundava pareceu, a Afonso, de um verde triste, prenunciando
luto e tristeza que ensombraria aquela união; embora o verde seja símbolo da
primavera, e por isso devia ser alegre, este verde é sombrio, pressagiando que
a primavera da vida de Pedro também vai ser sombria. A sombrinha vermelha que
envolvia Pedro lembrou a Afonso “uma larga mancha de sangue” em que, de facto,
Pedro vai morrer. O presságio do sangue pode ainda ser visto à luz dos netos de
Afonso que, sendo do mesmo sangue, se vão envolver numa relação incestuosa,
manchando a honra familiar dos Maias.
Pág. 171; 172; 173; 174 e 175 do Manual Aula Viva vol. I
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