quarta-feira, 26 de março de 2014

"Os Maias " O narrador

O narrador é heterodiegético, ou seja, não é uma personagem da história.

Assume, geralmente, uma atitude de observador.
Marcas linguísticas: verbos na 3ª pessoa; pronomes e determinantes na 3ª pessoa; discurso indirecto livre (nesta obra).

O narrador omnisciente sabe tudo sobre as personagens: o seu passado, presente e futuro, bem como os seus sentimentos e desejos mais íntimos. É como um deus que tudo viu e tudo sabe. Verificamos que o narrador do romance conhece todo o passado dos Maias, sabendo mais sobre eles do que as próprias personagens. Isto permite-lhe arquitectar o romance, jogando com várias técnicas narrativas ao nível do tempo do discurso (por exemplo, a analepse).

Um exemplo concreto do conhecimento do narrador relativamente à interioridade das personagens é o momento em que mostra conhecer os sentimentos que Afonso não expressa quando o filho, Pedro, surge perante ele, desesperado com a fuga da Monforte. (Final do cap. II – p. 44 – “Uma sombria tarde de Dezembro…”)

O ponto de vista, ou perspectiva narrativa, corresponde à adopção, por parte do narrador, de uma determinada posição para contar a história.
Perspectivar a diegese de acordo com uma determinada focalização não é só ver a diegese por certos olhos; é tomar em relação a ela uma posição afectiva e/ou ideológica. Constituir-se-á assim uma imagem particular da história, configurada pela subjectividade da personagem que a perspectiva.

N’Os Maias é fundamentalmente sobre Carlos que recai a focalização interna: as outras personagens dependem da sua visão do mundo e é a sua subjectividade que atua como elemento filtrante da realidade observada.

A focalização interna valoriza o universo psicológico de Carlos e proporciona uma visão crítica da sociedade.

O ponto de vista de Carlos é sobretudo evidente nas passagens em que a obra nos dá a conhecer Maria Eduarda (o primeiro avistamento, o primeiro encontro,…). Aliás, parece ser na caracterização desta personagem feminina que o narrador mais abdica da sua omnisciência. Mas também existem outros exemplos da focalização interna de Carlos, como o jantar do Hotel Central ou o Passeio Final, em que a visão crítica da decadência do país é filtrada pelo olhar do protagonista.

Ao privilegiar a focalização interna, o narrador vê, sente e julga os eventos ficcionais com e como a personagem, o que, por outras palavras, significa que as leis da subjectividade da personagem condicionam a imagem da diegese que é veiculada.

A focalização interna adopta por vezes a perspectiva de João da Ega. Um exemplo relevante deste ponto de vista são os episódios do jornal “A Tarde” e do Sarau no Teatro da Trindade.
Outro exemplo digno de nota em termos de focalização interna, é o ponto de vista de Vilaça (pai), através do qual se apresenta a educação de Carlos em Santa Olávia.

O narrador pode também optar pela focalização externa, ou seja, a simples referência aos aspectos exteriores da história contada: por exemplo, o aspecto físico das personagens, a sua vestimenta, ou os espaços físicos onde se movimentam.
Esta atitude narrativa é especialmente empenhada na superficialidade e transmite, com objectividade, apenas aquilo que é observável.

No entanto, n’Os Maias, a objectividade é, muitas vezes, apenas aparente. Assim, existem vários exemplos de utilização de adjectivos, de advérbios e de diminutivos que conferem subjectividade aos eventos narrados.

Os exemplos que mais se destacam correspondem à descrição de Eusebiozinho ou à de Dâmaso. Encontramos aqui a focalização interventiva, com a função de comentário, aliada à adesão ou negação a/de comportamentos ou formas de estar das personagens. Pode ter uma função ideológica, por exemplo na apresentação da personagem Alencar, já velho, no jantar do Hotel Central.

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